O valor do livro CANGALHA DO VENTO: Contos que se entrelaçam, de Luiz Eudes, reside na miríade de detalhes das observações que nos oferece: a poesia do existir permeada de toda sua história, sejam tristes, alegres, ou recordações. Uma obra evocativa que, em sua essência, encontrei vestígios de minha própria ancestralidade.
Quando criança, ouvia sempre a nossa vizinha Celina perguntando a minha mãe Alice Alves Silva: __ “Quando vai ao Junco? ”
Sem saber eu dizia: ”Mamãe, o que é o Junco?” Ela dizia: ”É Sátiro Dias menino, o povo velho a chama assim!”
Sou neto do Junco por parte de mãe, meus avós (José Missias Alves e Germiniana da Silva Alves): ao me debruçar sobre os contos de Luiz Eudes, vi desfilar em minha mente as histórias que minha avó, Germiniana, contava quando eu era criança sobre botijas de ouro, enterradas na estrada, sob pé de juá de boi; reencontrei a família gigantesca de minha mãe, dez mulheres e quatro homens; os tanques que matavam sua sede; o gado; as missas de Nossa Senhora do Amparo; as festas; a feira em plena Segunda; as secas frequentes. Vez ou outra ouvi minha avó gabar o Dr. Joaquim Neto, quando em meus dez anos.
Revivi a história de minha mãe que, casou-se nos idos de 1968 aos seus 17 anos e, deixara o Junco rumo à São Paulo. Revivi a história de Tio Palmiro, irmão de papai, que fora metalúrgico e participara das greves metalúrgicas sindicais de Lula.
A obra de Luiz Eudes, que de certa forma é um primo meu, exerceu impacto duradouro em mim, esta Odisseia Junquense, tendo seu Aristeu como se um Wlisses homérico, que junta toda sua coragem e parte em retorno de São Paulo rumo à sua Itaca-Junco natal, sobrevivendo as intempéries do tempo durante 10 dias de viagem sobre pau de arara.
Há uma irradiação mágica à semelhança de eventos, de histórias reais de tantas e tantas pessoas que, migram, emigram, vai-e-vem nordeste-sul.
Contos que primam pela elegância, leveza e sofisticação, ao se valer da linguagem coloquial e suas expressões natais, acaba por trazer consigo uma memória afetiva, tecendo com isto, implicitamente, sua história pessoal. A obra passa a constituir um cunho autobiográfico. São testemunhos de sua vivência, de sua existência, mesmo que Luiz Eudes se traje de um José, de um Fernando.
Um verdadeiro material precioso com percepção poética e leitura estética. Junco, a morada das recordações do poeta, a casa do escritor e de acadêmicos, sua paisagem é poesia.
Ao mergulhar nesta prazerosa leitura, fragmentos de lembranças flutuaram por minha mente, análogos perfeitos do existir dos meus antepassados Junquenses, que desencadearam em mim uma torrente de lembranças que vê amor em tudo, um local de segurança e paz, achados arqueológicos-afetivos veio à luz no decorrer da leitura deste metafórico Cangalha do Vento.
Com efeito, me deu muito sobre o que refletir, o fato de Eudes ter aberto o baú de suas recordações, de tempos idos, sob o ponto de vista de seu conteúdo afetivo-literário. Seus escritos possuem ricos elementos plásticos e poéticos quando ele descreve paisagens, pôres- do- sol, céu estrelado, Flamboyants, açude, caminhos, histórias de amor e fé… Trabalho este, altamente sugestivo e significativo, que, por sua vez, faz-nos viajar em pleno sertão, sendo Eudes nosso guia. Isto dá um sentido mais profundo e verdadeiro a sua narrativa.
Sinto especial afeto e agradecimento por ter o privilégio de lê-los. Contos de extrema beleza e sensibilidade, a substância que consta em seu “livro de memórias”, comoveu-me às lágrimas. Vi refletido em sua literatura a erosiva passagem do tempo, as ausências perenes, a nostalgia infinita, as saudades, as esperanças, o descanso, a paz, o amor, os valores familiares, a religiosidade, a união, a amizade, a camaradagem, o sentimento de pertença aquele torrão natal.
Acredito que, na alma de cada um de nós, exista um Junco Natal, como se uma “Terra Prometida” a qual sempre desejamos retornar, mesmo que pelo viés literário.

Ed Carlos Alves de Santana
Artista Plástico e Mestre em Artes Visuais pela EBA-UFBA
@edcarlosalvessantana